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Dispõe sobre a relação de trabalho intermediado por empresas operadoras de aplicativos de transporte remunerado privado individual de passageiros em veículos automotores de quatro rodas e estabelece mecanismos de inclusão previdenciária e outros direitos para melhoria das condições de trabalho.
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
Art. 1º Esta Lei Complementar dispõe sobre a relação de trabalho intermediado por empresas operadoras de aplicativos de transporte remunerado privado individual de passageiros em veículos automotores de quatro rodas e estabelece mecanismos de inclusão previdenciária e outros direitos para melhoria das condições de trabalho.
Art. 2º Para fins do disposto nesta Lei Complementar, considera-se empresa operadora de aplicativo de transporte remunerado privado individual de passageiros a pessoa jurídica que administra aplicativo ou outra plataforma de comunicação em rede e oferece seus serviços de intermediação de viagens a usuários e a trabalhadores previamente cadastrados.
Parágrafo único. A prestação de serviços intermediada por empresa operadora de aplicativo de que trata o caput pressupõe a realização de cadastro pessoal e intransferível dos trabalhadores e dos usuários, observado o disposto na Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, e na Lei nº 12.587, de 3 de janeiro de 2012.
Art. 3º O trabalhador que preste o serviço de transporte remunerado privado individual de passageiros em veículo automotor de quatro rodas, com intermediação de empresa operadora de aplicativo, será considerado, para fins trabalhistas, trabalhador autônomo por plataforma e será regido por esta Lei Complementar sempre que prestar o serviço, desde que com plena liberdade para decidir sobre dias, horários e períodos em que se conectará ao aplicativo.
§ 1º O enquadramento do trabalhador de que trata o caput pressupõe as seguintes condições, que serão objeto de fiscalização na forma do disposto no art. 14:
I – inexistência de qualquer relação de exclusividade entre o trabalhador e a empresa operadora de aplicativo, assegurado o direito de prestar serviço de transporte remunerado privado individual de passageiros em veículo automotor de quatro rodas, com intermediação de mais de uma empresa operadora de aplicativo no mesmo período; e
II – inexistência de quaisquer exigências relativas a tempo mínimo à disposição e de habitualidade na prestação do serviço.
§ 2º O período máximo de conexão do trabalhador a uma mesma plataforma não poderá ultrapassar doze horas diárias, na forma do regulamento.
§ 3º Para fins do disposto nesta Lei Complementar, o trabalhador de que trata o caput integra a categoria profissional “motorista de aplicativo de veículo de quatro rodas” e será representado por sindicato que abranja a respectiva categoria profissional, e as empresas operadoras de aplicativos serão representadas por entidade sindical da categoria econômica específica, com as seguintes atribuições:
I – negociação coletiva;
II – celebração de acordo ou convenção coletiva; e
III – representação coletiva dos trabalhadores ou das empresas nas demandas judiciais e extrajudiciais de interesse da categoria.
Art. 4º Sem prejuízo do disposto no art. 3º, outros direitos não previstos nesta Lei Complementar serão objeto de negociação coletiva entre o sindicato da categoria profissional que representa os trabalhadores que prestam o serviço de transporte remunerado privado individual de passageiros em veículos automotores de quatro rodas e as empresas operadoras de aplicativo, observados os limites estabelecidos na Constituição.
§ 1º Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo.
§ 2º Durante o processo de negociação coletiva entre os sindicatos representativos dos trabalhadores que prestam o serviço de transporte remunerado privado individual de passageiros em veículos automotores de quatro rodas e as empresas operadoras de aplicativos, as partes envolvidas serão incentivadas a buscar soluções consensuais antes de demandarem o Poder Judiciário, de modo a promover a resolução amigável de disputas e fortalecer a autonomia na negociação coletiva, o diálogo e a autocomposição na relação de trabalho intermediado por empresas operadoras de aplicativo.
§ 3º As condições estipuladas em negociação coletiva entre as partes não poderão ser derrogadas por pactuação de caráter individual.
Art. 5º As empresas operadoras de aplicativos ficam autorizadas a implementar as seguintes práticas, sem que isso configure relação de emprego nos termos do disposto na Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943:
I – adoção de normas e medidas para garantir a segurança da plataforma, dos trabalhadores e dos usuários, para coibir fraudes, abusos ou mau uso da plataforma, observadas as regras previamente estipuladas nos termos de uso e nos contratos de adesão à plataforma;
II – adoção de normas e medidas para manter a qualidade dos serviços prestados por intermédio da plataforma, inclusive suspensões, bloqueios e exclusões, observadas as regras previamente estipuladas nos termos de uso e nos contratos de adesão à plataforma;
III – utilização de sistemas de acompanhamento em tempo real da execução dos serviços e dos trajetos realizados;
IV – utilização de sistemas de avaliação de trabalhadores e de usuários; e
V – oferta de cursos ou treinamentos, bem como quaisquer benefícios e incentivos aos trabalhadores, de natureza monetária ou não, ainda que de caráter continuado.
Art. 6º A exclusão do trabalhador do aplicativo de transporte remunerado privado individual de passageiros somente poderá ocorrer de forma unilateral pela empresa operadora de aplicativo nas hipóteses de fraudes, abusos ou mau uso da plataforma, garantido o direito de defesa, conforme regras estabelecidas nos termos de uso e nos contratos de adesão à plataforma.
Art. 7º Os serviços das empresas operadoras de aplicativos e o trabalho intermediado por suas plataformas devem pautar-se pelos princípios de:
I – transparência;
II – redução dos riscos inerentes ao trabalho;
III – eliminação de todas as formas de discriminação, violência e assédio no trabalho;
IV – direito à organização sindical, à sindicalização e à negociação coletiva;
V – abolição do trabalho infantil; e
VI – eliminação do trabalho análogo ao escravo.
Art. 8º O princípio da transparência a que se refere o inciso I do caput do art. 7º deve permitir que o trabalhador tenha acesso às informações sobre os critérios de oferta de viagens, pontuação, bloqueio, suspensão e exclusão da plataforma em linguagem clara e de simples entendimento, e também aos critérios que compõem o valor de sua remuneração, por meio de relatório mensal que detalhe a soma do tempo trabalhado, a remuneração total, a remuneração específica dos serviços realizados em horários de alta demanda, o valor médio da hora trabalhada e sua comparação com a remuneração mínima estabelecida nesta Lei Complementar, nos termos do disposto em regulamento.
Art. 9º A remuneração mínima do trabalhador de que trata o caput do art. 3º será proporcionalmente equivalente ao salário-mínimo nacional, acrescido do ressarcimento dos custos incorridos pelo trabalhador na prestação do serviço de transporte remunerado privado individual de passageiros, nos termos do disposto em regulamento.
§ 1º Os custos a que se refere o caput contemplam, no mínimo, os custos e as tarifas relativos ao uso do aparelho celular, ao combustível, à manutenção do veículo, ao seguro automotivo, aos impostos e à depreciação do veículo automotor.
§ 2º Fica estabelecido, como remuneração mínima, o valor horário de R$ 32,10 (trinta e dois reais e dez centavos), devendo ser contabilizado, para fins desse cálculo, somente o período entre a aceitação da viagem pelo trabalhador e a chegada do usuário ao destino.
§ 3º O valor da remuneração a que se refere o § 2º é composto de R$ 8,03 (oito reais e três centavos), a título de retribuição pelos serviços prestados, e de R$ 24,07 (vinte e quatro reais e sete centavos), a título de ressarcimento dos custos incorridos pelo trabalhador na prestação do serviço de transporte remunerado privado individual de passageiros.
§ 4º Os valores a que se referem os § 2º e § 3º deste artigo serão reajustados mediante a aplicação da sistemática de valorização do salário-mínimo prevista no caput e no § 1º do art. 3º da Lei nº 14.663, de 28 de agosto de 2023.
§ 5º A remuneração mínima estabelecida neste artigo será verificada de forma agregada, a cada mês, pela empresa operadora de aplicativo.
§ 6º Caso o valor recebido pelas horas trabalhadas, calculado na forma prevista neste artigo, seja inferior ao valor horário estabelecido, a empresa deverá apurar e realizar o repasse complementar da diferença, observado o prazo previsto no inciso II do § 3º do art.10.
§ 7º É vedado às empresas operadoras de aplicativo limitar a distribuição de viagens quando o trabalhador atingir a remuneração horária mínima de que trata este artigo.
Art. 10. Para fins de enquadramento previdenciário, o trabalhador que preste o serviço de transporte remunerado privado individual de passageiros em veículo automotor de quatro rodas, com intermediação de empresa operadora de aplicativo, nos termos do disposto no art. 3º, será considerado contribuinte individual e sua contribuição será calculada mediante a aplicação da alíquota de sete inteiros e cinco décimos por cento sobre o salário-de-contribuição, observado o limite máximo do Regime Geral de Previdência Social.
§ 1º O salário-de-contribuição para a obrigação de que trata o caput corresponde a vinte e cinco por cento do valor bruto auferido no mês.
§ 2º A empresa operadora de aplicativo de transporte remunerado privado individual de passageiros de que trata o art. 2º contribuirá à alíquota de vinte por cento, incidente sobre o salário de contribuição do trabalhador que preste serviço por ela intermediado, no mês, calculado na forma prevista no § 1º.
§ 3º As empresas operadoras de aplicativo ficam obrigadas a:
I – prestar as informações relativas aos segurados e às contribuições realizadas à Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Fazenda, ao Instituto Nacional do Seguro Social e ao Ministério do Trabalho e Emprego, na forma prevista em regulamento; e
II – arrecadar, até o dia vinte do mês seguinte ao da competência, os valores devidos pelos trabalhadores, conforme o disposto neste artigo.
§ 4º O desconto da contribuição a que se refere o § 3º presume-se feito oportuna e regularmente pela empresa operadora de aplicativo, que ficará diretamente responsável pela importância que deixou de arrecadar ou que arrecadou em desacordo com o disposto nesta Lei Complementar.
§ 5º Não se aplica à contribuição social da empresa de que trata o § 2º o limite máximo do Regime Geral de Previdência Social.
§ 6º A contribuição de que trata o § 2º será administrada pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Fazenda e estará sujeita às mesmas condições, prazos, sanções e privilégios constantes das normas gerais ou especiais pertinentes às demais contribuições administradas por esse órgão.
§ 7º O produto da arrecadação da contribuição de que trata o § 2º e dos acréscimos legais incidentes será destinado, em caráter exclusivo, ao pagamento de benefícios do Regime Geral de Previdência Social e creditado diretamente ao Fundo do Regime Geral de Previdência Social, de que trata o art. 68 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000.
Art. 11. A Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 21. …………………………………………………………………………………………
§ 2º ………………………………………………………………………………………………
III – 7,5% (sete inteiros e cinco décimos por cento), no caso de trabalhador que preste serviço de transporte remunerado privado individual de passageiros em veículo automotor de quatro rodas, com intermediação de empresa operadora de aplicativo ou outra plataforma de comunicação em rede.
……………………………………………………………………………………………..” (NR)
“Art. 26-A. Constitui receita da Seguridade Social a contribuição da empresa que opere aplicativo ou outra plataforma de comunicação em rede para oferecer serviços de intermediação a trabalhadores que prestem o serviço de transporte remunerado privado individual de passageiros e a usuários previamente cadastrados, incidente, à alíquota de 20% (vinte por cento), sobre o valor total dos salários-de-contribuição daqueles trabalhadores, na forma prevista no § 13 do art. 28 desta Lei, desde que se refiram aos serviços de transporte remunerado privado individual de passageiros de que trata o art. 3º da Lei Complementar nº , de de de .” (NR)
“Art. 28. …………………………………………………………………………………………
………………………………………………………………………………………………………
§ 13. Considera-se remuneração auferida pelo contribuinte individual de que trata o art. 3º da Lei Complementar nº, de, o montante correspondente a 25% (vinte e cinco por cento) do valor bruto pago, observado o limite máximo a que se refere o § 5º deste artigo.” (NR)
“Art. 30. …………………………………………………………………………………………
………………………………………………………………………………………………………
§ 10. A empresa que opere aplicativo de transporte remunerado privado individual de passageiros, de que trata o art. 2º da Lei Complementar nº, de, fica responsável por arrecadar as contribuições do segurado, observado o disposto no inciso II do § 3º do art. 10 da referida Lei Complementar.” (NR)
Art. 12. As empresas operadoras de aplicativos têm o dever de diligência na adoção de medidas para prevenir abusos aos direitos dos trabalhadores, inclusive nos casos em que o cadastro de trabalhadores na plataforma for efetuado por terceiros.
Art. 13. A Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Fazenda e a Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego, em cumprimento ao disposto no art. 20-A da Lei nº 10.593, de 6 de dezembro de 2002, poderão firmar convênio ou instrumento congênere para compartilhar, por meio digital, registros de informações disponíveis sobre pagamentos, notas fiscais e recibos relacionados à prestação de serviços de que trata esta Lei Complementar.
Art. 14. A Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Fazenda e a Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego, observadas as respectivas competências, fiscalizarão a regularidade e a veracidade das informações prestadas pelas empresas operadoras de aplicativo de transporte remunerado privado individual de passageiros no Sistema Simplificado de Escrituração Digital das Obrigações Previdenciárias, Trabalhistas e Fiscais – eSocial, que deverá ser adequado para os fins desta Lei Complementar.
Parágrafo único. O fornecimento de dados e informações à Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Fazenda e à Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego não viola as disposições da Lei nº 13.709, de 2018, por seu enquadramento no disposto no inciso III do caput do art. 7º da referida Lei, e soma-se ao dever de transparência e de colaboração das empresas perante o Estado.
Art. 15. O descumprimento do disposto nesta Lei Complementar, no que se refere às disposições trabalhistas, sujeita a empresa infratora ao pagamento de multa administrativa cujo valor corresponderá a até cem salários-mínimos, sem prejuízo das demais sanções cabíveis.
Art. 16. Ao trabalhador de que trata esta Lei Complementar não se aplica a opção de que trata o art. 18-A da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006.
Art. 17. Fica revogado o inciso III do caput do art. 11-A da Lei nº 12.587, de 2012.
Art. 18. Esta Lei Complementar entra em vigor no primeiro dia do quarto mês subsequente ao de sua publicação.